A Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) declarou que o período de 2021-2030 será a “Década da Restauração de Ecossistemas”, na tentativa de aumentar os esforços para restaurar ecossistemas degradados, criando medidas eficientes para combater a crise climática, alimentar, hídrica e da perda de biodiversidade.
Entretanto, o caminho percorrido no Brasil, até o momento, não tem sido bem este. Em 2021, vários estudos comprovaram as perdas que o Pantanal tem sofrido com o desmatamento, seca e incêndios. O ano de 2022 já iniciou com ações ameaçadoras para o bioma, como a instalação de um porto em Cáceres, no Mato Grosso, e a possibilidade de alteração da legislação que proíbe a soja, a cana-de-açúcar e as carvoarias no Pantanal.
No mês em que é celebrado o Dia Mundial das Áreas Úmidas e, diante desta corrida econômica que vai na contramão da conservação e restauração, em especial das áreas úmidas, nós do Observatorio Pantanal conversamos com a ecóloga Rafaela Nicola, diretora da Wetlands International Brasil.
A organização, que é uma das 43 participantes do nosso coletivo, trabalha pela conservação dessas áreas há 85 anos, e busca entender o que cada um de nós pode fazer para a conservação do Pantanal e de todas as áreas úmidas.
Acompanhe conosco abaixo a entrevista, na qual Rafaela nos dá uma verdadeira aula sobre os ecossistemas.
1 – Sabemos que as áreas úmidas são prestadoras de vários serviços ambientais. Se precisássemos destacar um que esteja diretamente relacionado à qualidade de vida das pessoas, qual seria?
As áreas úmidas são a nossa fonte de vida no planeta, são os sistemas que nos alimentam, dão abrigo, inspiram, fornecem bem-estar e felicidade. Aproximadamente 40% da biodiversidade do planeta tem seu ciclo de vida relacionado aos ambientes de áreas úmidas. São verdadeiros berçários de vida, pois propiciam ambientes favoráveis para a reprodução de diversas espécies da fauna e da flora. Além disso, elas melhoram a qualidade da nossa água doce: conseguem filtrar milhões de litros em um pequeno espaço, armazenando em lagos, rios, lagoas e no subsolo. Elas nutrem o solo que usamos para plantar e nos protegem dos efeitos de grandes desastres naturais, funcionando como uma barreira para tsunamis, furacões, enchentes e outros eventos extremos.
Elas evitam a emissão de gases de efeito estufa responsáveis pelas mudanças climáticas e que tanto tem nos preocupado ultimamente, pois temos visto as consequências nesse período intenso de seca que vivemos no Pantanal. Quando as áreas úmidas estão saudáveis, retêm esses gases em seus solos, animais e nas plantas.
2 – O Pantanal é a maior área úmida continental do Planeta e segundo alguns monitoramentos, o bioma já perdeu uma quantidade importante de área alagada. O que é preciso ser feito, se é possível, para frear esse processo de perda de água?
Precisamos trabalhar políticas e estratégias que respeitem os processos ecológicos do Pantanal, dirigindo nossa atenção para um planejamento integrado que mantenha a conectividade física e funcional entre o planalto e a planície pantaneira, bem como a integridade ecológica das áreas úmidas da planície. A solução passa pelo envolvimento dos mais diversos segmentos da sociedade, setores públicos, privados, comunidades tradicionais, academia, sociedade civil organizada, entre outros.
3 – As políticas públicas são importantes instrumentos para a conservação das áreas úmidas. Como a Wetlands International Brasil avalia as políticas voltadas para o Pantanal e quais as iniciativas da organização em andamento?
O Brasil ainda não possui uma legislação específica para áreas úmidas. Porém, é importante ressaltar que há diversas iniciativas por parte das organizações não governamentais para salvaguardar esses ecossistemas. E se, por um lado, nas últimas décadas, o Brasil fez um enorme esforço para criar Unidades de Conservação de diferentes tipos, por outro, na atualidade, temos visto o País passar por uma série de reveses por conta do esvaziamento de competências, atribuições e orçamentos das principais instituições e órgãos responsáveis pela política de meio ambiente. Vivemos um momento muito delicado que pede a atenção de todos os agentes – públicos até sociedade civil.
A Wetlands International desenvolve desde 2018 o Programa Corredor Azul que tem como objetivo preservar a biodiversidade e a conectividade em um território transfronteiriço, que abrange três grandes áreas úmidas, que são: o Pantanal, os Esteros de Iberá e o Delta do Paraná. Estendendo por 3.400 km desde o Pantanal brasileiro, passando pela Bolívia e Paraguai até desembocar no Delta do Paraná, na Argentina. Já o nome do programa é uma alusão ao grande volume de água que circulam dentro dessas importantes áreas úmidas da América do Sul.
4 – É possível capitalizar (ganhar dinheiro) com a conservação das áreas úmidas, mas especificamente do Pantanal?
Sim. Existem mecanismos de políticas e mercado, que, ao instalados, permitem que as pessoas e investimentos recebam pelos serviços prestados das áreas úmidas – são os Pagamentos por Serviços Ambientais – PSA e outros mecanismos econômicos.
Porém, esses não deveriam ser o objetivo final, mas bem, um incentivo. A conservação das Áreas Úmidas reduz a quantidade de investimentos que seriam necessários para manter o bem-estar, economias e meio ambiente. Como mencionei anteriormente os serviços que as áreas úmidas prestam para nós, permitem uma economia considerável em investimentos que teriam que ser feitos para:
Garantir nossa segurança alimentar – ao manter solos férteis na região e água potável.
Promover a redução de riscos – se reduzem os gastos com desastres naturais.
Garantir nossa saúde, pois a degradação das áreas úmidas pode provocar a proliferação de doenças como a dengue, febre amarela, malária ou mesmo pandemias.
5 – Há alguma maneira da população em geral contribuir com a conservação das áreas úmidas e, principalmente, o Pantanal?
Com certeza! Ao reconhecerem o valor dessas áreas úmidas, as pessoas podem ajudar a sensibilizar outros para cuidarem também.
Do micro ao macro há diversas práticas que as pessoas podem adotar para colaborar com a preservação do meio ambiente. As primeiras são as pessoas que passam desde o controle do consumo de energia, água e de bens e produtos, ou seja, neste último caso comprando apenas o necessário, dando preferência até mesmo para economia circular (com troca ou compra em lojas especializadas, os popularizados “brechós”, que com o passar dos anos se reformularam e apresentam linhas de produtos com qualidade cada vez melhor). Além do descarte correto do lixo e direcionando os recicláveis para a coleta seletiva ou ecopontos.
Já no quesito do macro é observar o comportamento das empresas de bens e serviços da qual você é consumidor, acompanhar e cobrar atitudes sustentáveis das mesmas, cobrar posicionamento dessas empresas sempre que for preciso e exigir fiscalização e medidas sustentáveis por parte do poder público. É importante acompanhar o que os gestores públicos estão fazendo que podem beneficiar ou impactar o meio ambiente e, em caso de medidas impositivas, buscar organizações não governamentais que estão nessa linha de preservação e combate ao desmatamento. Atualmente, com as redes sociais é possível ver o que o poder público tem feito e acompanhar inúmeras instituições que fazem essa linha de frente de proteção do meio ambiente. O próprio Observatorio Pantanal, ao qual a Wetlands International integra, é um canal que divulga muitas dessas ações e informações do que vem sendo feito pela preservação do bioma pantaneiro. Como entidades não somos fechadas para a sociedade, ao contrário, toda pessoa pode e deve buscar contato, solicitar uma visita e conhecer as instituições, seguir nas redes sociais. Isso, sem dúvida, não só esclarece como passa confiança para as pessoas que podem se tornar voluntários ou apoiadores dos trabalhos. É essencial esse estreitamento dos laços para proteger a natureza que é um bem de todos.
Foto: José Sabino