A carta “A tragédia dos comuns: Como decisões sutis e ´legais’ ameaçam uma das maiores áreas úmidas no mundo”, publicada na revista científica BioScience, é um alerta sobre como uma série de pequenas decisões locais criam um cenário perigoso para o futuro do Pantanal.
A publicação é assinada por quatro pesquisadores brasileiros Fernando Tortato (Panthera), Walfrido Moraes Tomas (Embrapa Pantanal), Rafael Morais Chiaravalloti (IPÊ e Smithsonian Conservation Biology Institute) e Ronaldo Morato (CENAP/ICMBio). Ambos os pesquisadores são parceiros do Observatorio Pantanal e contribuem com o coletivo.
De acordo com os autores, as sinergias entre diferentes ameaças têm o potencial de causar profundas consequências ecológicas e sociais que são difíceis de estimar. Essas ameaças vêm principalmente das mudanças climáticas globais e do desmatamento da Amazônia (a fonte das chuvas que fazem o Pantanal ser uma área úmida), bem como do desmatamento, da erosão e do represamento dos rios na bacia do Rio Paraguai, na escala regional. Na escala mais local, as ameaças se originam dos interesses na implementação de uma hidrovia baseada em intervenções permanentes no rio Paraguai, da adoção de práticas de produção mais intensiva, com supressão da vegetação nativa e simplificação das paisagens em grandes áreas, além do uso inadequado do fogo para manejo da vegetação.
Os autores mencionam ações locais em andamento que, apesar de seguirem os trâmites legais, não consideram os seus impactos em cascata. “Usando uma metáfora recente para os ataques sutis ao Pantanal, nós estamos assistindo à “cupinização” do Pantanal, uma comparação com os efeitos de um ataque de cupins sobre um pedaço de madeira. Isto é, os pequenos “buracos” espalhados vão sendo feitos sem que nos demos conta do dano real em uma visão superficial. Se nós não cuidarmos de olhar as coisas em detalhe, esses “buracos” se tornam tão numerosos que podem levar o Pantanal a um grande risco”, diz Chiaravalloti.
Segundo os pesquisadores, pequenas e grandes barragens construídas na porção brasileira da bacia do alto rio Paraguai estão entre as principais ameaças ambientais ao Pantanal. Nas últimas duas décadas, empreendedores privados e o governo construíram um total de 50 barragens na região, aproveitando a mudança de altitude nas bordas dos planaltos para gerar energia hidrelétrica.
A carta da BioScience destaca outras decisões de desenvolvimento que podem comprometer ainda mais o meio ambiente da região. Estes incluem um projeto proposto de dragagem de 1.272 km (789 milhas) para permitir o transporte de barcaças de soja e milho para o sul através do Pantanal ao longo do rio Paraguai, para o rio Paraná e, mais a jusante, transbordo da Argentina ou Uruguai para mercados de exportação. A dragagem está programada para ser pesada ao longo dos 680 quilômetros ao norte desse trecho e mais leve ao longo da porção inferior de 592 quilômetros (367 milhas). A construção de um porto fluvial também está planejada para um local a 60 quilômetros (37 milhas) ao norte da área prevista para dragagem para que os grãos da região do Cerrado brasileiro possam ser transportados por caminhão e carregados em barcaças para a viagem ao sul.
Os governos do Brasil e dois estados brasileiros na porção norte da rota fluvial, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, apoiam o projeto. Mas os ecologistas apontam que, como a obra aprofundaria o rio Paraguai e, em certas áreas, endireitaria seu curso, acelerando seu fluxo pelo Pantanal, os níveis de água do Pantanal – e, portanto, suas inundações sazonais – diminuiriam.
Vários cientistas brasileiros concordam com a carta da BioScience, argumentando que já passou da hora de os órgãos governamentais reconhecerem o impacto coletivo que as decisões de desenvolvimento fragmentadas têm em ecossistemas valiosos como o Pantanal.
Foto: Acervo ECOA