Imagens de peixes agonizando devido a decoada no Pantanal que circula em redes sociais assusta, mas fenômeno é típico do Pantanal.
No início desta semana, nas redes sociais e os aplicativos de mensagens correram imagens do fenômeno da decoada, que ocorre no Pantanal. Nas imagens, o fotógrafo e militar da Marinha Guilherme Ambrósio mostra peixes e arraias lutando pela sobrevivência às margens do Rio Paraguai. Muitos peixes, de várias espécies já estavam mortos. O registro foi feito na comunidade de Porto da Manga, a 75 km de Corumbá. Apesar das cenas serem impactantes, a decoada é um fenômeno muito comum no Pantanal.
O Observatorio Pantanal conversou com a bióloga, especialista em ecologia de rios e áreas úmidas do bioma Pantanal, Débora Calheiros, para saber um pouco mais sobre como ocorre a decoada. Calheiros, que também é membro do OP, participou do programa de monitoramento do fenômeno da decoada, pela Embrapa Pantanal. O monitoramento foi desenvolvido durante os anos de 1988 a 2018, e originou uma publicação da instituição com os resultados obtidos entre 1988 a 2011. Clique aqui e veja a publicação. Por conta do vasto conhecimento que acumulou com o estudo, a pesquisadora afirma que, por mais que as imagens sejam impactantes, a decoada de 2023 não é tão expressiva e que está ocorrendo em locais pontuais.
Significado da palavra Decoada – A palavra DECOADA significa a água fervida com cinzas, antigamente muito utilizada para limpar tecidos e também caldeiras de caldo de cana. Essa água fica com uma coloração escura, que lembra chá mate. “O próprio significado da palavra decoada faz com que muitas pessoas achem que o fenômeno está ligado às queimadas, porém isso não é correto. Na verdade possui esse nome porque, devido às enchentes, áreas antes secas foram inundadas ocorrendo a decomposição de matéria orgânica vegetal terrestre. Essa decomposição faz com que a água do rio fica com uma coloração escura, que lembra muito a água da decoada”, explica Calheiros.
O fenômeno da decoada significa a mudança da qualidade da água. Com o aumento o processo de decomposição se tem o aumento do gás carbônico e a diminuição do oxigênio, isso por que bactérias estão agindo na decomposição dessa grande biomassa que ficou submersa e resulta em um ambiente muito ruim para os peixes. “O dióxido de carbono (CO2) é tóxico para os peixes da mesma forma que o monóxido de carbono (CO) é tóxico para os mamíferos. Os peixes ficam muitos atordoados devido à falta de oxigenação do sangue e pode acontecer a mortandade dos peixes, como a gente viu. Os peixes sobem para flor da água, onde tem mais oxigenação pelo contato com o ar, então a arraias sobem e todos os peixes, grandes e pequenos ficam ali na beira ‘boqueando’ (termo regional do ato dos peixes subirem para terem a possibilidade de obterem mais oxigênio)”.
Uma outra curiosidade ressaltada pela bióloga é a adaptação que alguns peixes sofrem devido à decoada. “O Pacu é bem interessante por que ele sofre um processo de alongamento maxilar inferior para poder ter mais contato com o oxigênio desse limite entre água e ar. ele sofre uma alteração fisiológica para poder se adequar, se adaptar a essa situação de baixa oxigenação e até anoxia (ausência ou diminuição da oxigenação no cérebro)”.
Quando a Decoada é mais intensa? – Para entender porque tem anos que o fenômeno é mais expressivo e por que tem anos que não tem: depende tanto da fase da enchente – tem anos que é mais lenta e anos que é mais rápida, e também da área que foi inundada – uma área maior vai submergir mais biomassa vegetal e por consequência se terá maior processo de decomposição. Mas, um outro fator que é necessário é a seca do ano anterior, pois quando a seca é mais intensa acarreta o aumento expressivo de vegetação nas áreas que ficaram expostas de vegetação terrestre. “Então, são fatores combinados. Quando se tem uma decoada expressiva, ocorreu um forte período de seca e a enchente subsequente foi rápida e expressiva também. Por exemplo, em 1995, o rio Paraguai ficou 3 meses sem oxigênio no trecho que abrange a cidade de Corumbá, significa que foi muita matéria orgânica em decomposição para que um rio com o porte do rio Paraguai ficasse 3 meses sem oxigênio. Então, o ano de 2023 não é um ano de decoada intensa, embora o ano anterior ocorreu uma seca expressiva, a cheia subsequente não foi tão significativa”, conceitua Calheiros.
O Fenômeno atinge todo o Pantanal, porém existem diferenças – Conforme constatado pelo monitoramento da Embrapa Pantanal, a decoada só é muito grave quando ela se desloca do Pantanal Norte – a partir das planícies de inundação dos rios Cuiabá e São Lourenço, para o Pantanal Sul – pelas planícies de inundação dos rios Taquari e Miranda, que vão descendo pelo rio Paraguai. Em todas as planícies de inundação dos rios formadores tem esse processo de extravasamento da água do canal principal para o campo inundável, submergindo as plantas terrestres que se desenvolveram na época da seca. Esse é um processo similar no Pantanal norte e no Pantanal sul, só que no Pantanal sul ele recebe toda essa água a partir do momento que a onda de cheia vai se deslocando, por isso a porção sul a decoada ocorre com mais intensidade.
“Estou na região de Corumbá, onde foi filmado o vídeo que está circulando, gravado no Porto da Manga, então ali atingiu o rio principal, o rio Paraguai, mas provavelmente por conta da grande área de inundação que tem ali no rio Taquari”, revela Calheiros.
A previsão de decoada para 2023, feita pela pesquisadora, também é compartilhada pelo morador da região da Serra do Amolar, Wilson Malheiros. “Aqui para nós, da região do Amolar e Barra de São Lourenço, a decoada não veio como anos atrás, em que morria muito peixe. Aqui veio bem fraca a água (de decoada) mas, mesmo assim, afetou principalmente os peixes pequenos. Muitos vieram pra beirada em busca de oxigênio, mas não peixes grandes como pacus e pintados. A água agora já está bem melhor”. Malheiros atua como gestor de manutenção na Rede Amolar, pelos Instituto Homem Pantaneiro, que também faz parte da nossa rede. A instituição produziu um material onde ressalta as diferenças da decoada ao longo do Pantanal. Confira aqui.
Foto: Guilherme Ambrósio