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Os impactos da dragagem do rio Paraguai

Nós, do Observatorio Pantanal, estamos acompanhando o processo de licenciamento do porto Barranco Vermelho no município de Cáceres, no Mato Grosso. Além de acompanhar, também assinamos uma carta-denúncia juntamente com mais 160 organizações e apoiamos a campanha virtual para suspenção da licença prévia do porto.

Quanto mais informações tivermos sobre os impactos que este empreendimento pode trazer para o Pantanal melhor será. Assim, compartilhamos com nossos leitores o artigo “Dragagem do Rio Paraguai – uma nova ameaça ao Pantanal”, produzido por Thomaz Lipparelli, PhD em Ciências Biológicas pela UNESP e Ex-Superintendente de Recursos Hídricos de MS, publicado no jornal Dia a Dia.

Dragagem do Rio Paraguai – uma nova ameaça ao Pantanal

Dentro da perspectiva de que todas as intervenções em cursos de água, independentemente de objetivos técnicos específicos, devam contemplar a melhoria ou preservações das condições ambientais, projetos de regularização de vazões ou dragagem do leito dos cursos de água com uso de técnicas rígidas de engenharia são exemplos clássicos de ações contrárias ao comportamento natural dos rios.

A criação do porto fluvial “Barranco Vermelho “no município de Cáceres (MT) e, consequentemente, a implicação de uma nova modelagem do leito do rio Paraguai para escoamento da produção por grandes embarcações, urge uma melhor compreensão das implicações que este empreendimento irá ocasionar nos processos ecológicos, hidrogeomorfológicos e bioquímicos no curso do rio Paraguai.

Não há dúvidas que o rio Paraguai tem enorme importância estratégica e econômica, já que é utilizado para abastecimento, como via de navegação, como fonte de alimento e como atração turística em torno do qual se desenvolve boa parte da economia local.

Como artéria principal da Bacia do Alto Paraguai, o rio Paraguai proporciona bens e serviços ambientais, dos quais nos beneficiamos, às vezes inadvertidamente e vorazmente.

Por serviços ambientais, entendem-se aquelas funções que desenvolvem os ecossistemas e que se traduzem em benefícios para a qualidade da vida, inclusive humana. Estes serviços ambientais podem se quantificar, tanto a sua eficiência em relação a um processo concreto, quanto seu custo econômico.

Entre as funções do rio Paraguai que podem ser traduzidas em serviços, destacamos: disponibilidade de água potável, disponibilidade de água para atividades econômicas, sedentação para animais (incluindo a pecuária), produção de alimento (peixes por exemplo), regulação do clima local e global, controle de gases do efeito estufa (CO2 e metano), regulação das cheias, reciclagem de nutrientes (depuração da água), tratamento e depósito de materiais (sedimentos e orgânicos), turismo, lazer, cultura, entre outros.

Todo e qualquer processo de dragagem do leito de um rio, traz um dano progressivo tanto na qualidade como na quantidade – às vezes irreversível – não apenas nos ecossistemas aquáticos, mas também na disponibilidade de água para o próprio ser humano em condições seguras para seu consumo e demais usos.

Desse ponto de vista, o meio aquático deve ser algo mais do que um simples local de um recurso a ser explorado ou alterado para atender um determinado empreendimento: trata-se de um sistema natural complexo que dá suporte a ecossistemas, cuja conservação deve ser feita de modo a garantir seu funcionamento sustentável.

Assim, qualquer intervenção que queira ser feita no rio Paraguai requer uma compreensão profunda das relações entre suas propriedades e a maneira com que tal dragagem pode influir nos processos físicos, químicos e biológicos que são a base de seu funcionamento.

Revolver o fundo de um rio significa expor todo e qualquer contaminante que se encontra em repouso no leito. Ou seja, toda e qualquer dragagem tem seu efeito contaminante.

Entende-se aqui ao conceito de “contaminação” em seu sentido mais amplo, para então ater-se às alterações decorrentes de perturbações de tipo físico, químico ou biológico.

Do ponto de vista prático, é importante considerar ainda, para efeitos normativos e de legislação, a ideia de que a contaminação aquática deve manter-se dentro dos marcos dos usos da água: consumo humano, vida aquática, lazer, sedentação animal, entre outros. 

Nesse contexto, contaminação será então, a alteração da qualidade de maneira que fique prejudicado determinado uso que se faz desse recurso.

Entre os contaminantes estão os primários (introduzidos pelo homem no ambiente e que se encontram depositados no leito do rio) e os secundários, originados a partir de um precursor ou poluente primário (que também se encontram depositados no leito do rio).

Este seria o caso, por exemplo, dos compostos DDE e DDD resultantes da degradação do pesticida DDT; e os sulfetos formados por redução micribiológica de sulfatos em ambientes aquáticos anóxicos (leitos dos rios e baias).

Além disso, com a dragagem estaríamos expondo o rio a uma contaminação difusa, quando esta ocorre pontualmente e pouco definida e dispersa no espaço e no tempo (ex, drenagens agrícolas).

A que a escala de tempo se refere, deve-se igualmente entender de maneira geral, que uma dragagem não é única e pontual, o que teremos contaminação agudas (produzidas por emissão de certa intensidade em períodos curtos) e a contaminação crônica procedente (em trechos do rio) com frequência, de fontes pouco determinadas ou difusas, cujos efeitos somente são perceptíveis em períodos mais longos de observação.

Toda e qualquer atividade de drenagem altera profundamente a condutividade (condução elétrica de uma solução aquosa), o nível de salinidade, a temperatura, o pH, acidez e alcalinidade.

A exposição do leito de um rio ao longo do seu curso, altera profundamente o Potencial Redox (uma medida de tendência de uma espécie química de se reduzir).

Por outro lado, a turbidez da água depende da quantidade de material em suspensão presente, ou seja, toda dragagem aumenta os sólidos em suspensão e turbidez, impedindo a passagem de luz e consequentemente afetado a produtividade primária do ecossistema, o que afeta diretamente a microflora e microfauna e consequentemente os animais filtradores.

O aumento da turbidez também afeta os índices de oxigênio dissolvido na coluna de água, um parâmetro-chave em relação à qualidade do meio aquático, cuja presença torna possível a respiração dos organismos aeróbios (como os peixes e invertebrados) e influi, além disso em muitas reações químicas.

A estratificação da água em massas profundas, concorre também para a formação de gradientes verticais de oxigênio dissolvidos, de maneira que favorece certas espécies (incluindo peixes) a viverem nestas faixas (termoclinas) de oxigênio dissolvido.

A ruptura da termoclina, com a consequente mistura de águas, poderá trazer sérios riscos a fauna local.

As dragagens de um leito de rio também provocam alterações na distribuição de nutrientes.

São denominados “nutrientes” todos aqueles componentes essenciais para o desenvolvimento e a manutenção da vida de um ecossistema aquáticos, sobretudo os nutrientes principais ou macronutrientes, necessários ao crescimento e desenvolvimento dos organismos vivos, entre os quais os elementos nitrogênio, fósforo, potássio, enxofre, magnésio e cálcio.

Nos sistemas naturais aquáticos, os nutrientes que limitam a produção primária de biomassa são o nitrogênio e o fósforo.

As concentrações de nitrogênio e fósforo inorgânico em situação natural pode ser alterada em virtude da remoção de areia do leito de um rio, que contribuirá para a excesso de exposição de nutrientes depositados (oriundos principalmente da atividade agrícola, pecuária e, também, dos escoamentos urbanos).

Outra fonte de poluição será exposta com a dragagem de um rio: metais pesados e metaloides. Os metais são elementos que formam a crosta terrestre, e sua interação com a água faz parte de seu ciclo natural quando em concentrações baixas.

No entanto, com a dragagem do leito, essas concentrações podem ser incrementadas, e em alguns casos, ao ponto de causar toxicidade aquática e colocar em risco a saúde humana.

Além dos metais propriamente ditos (Al, Fe, Mn, Cr, Zn, Cu, Pb, Ni, Cd, Hg, Ag, etc.), deve-se considerar ainda alguns elementos semimetálicos ou metaloides, como As, Se e Sb, cujo ciclo natural é similar.

Ainda que muitos destes elementos formem oligocompostos essências para alguns organismos vivos, a maioria pode ser tóxica se as doses ultrapassarem determinados níveis.

Outros elementos serão aflorados com a movimentação do leito do rio Paraguai. Entre eles os chamados “pesticidas”. 

Em função do tipo de organismos sobre os quais atuam, podem ser classificados em inseticidas, herbicidas, fungicidas e nematicidas, e em função do grupo químicos do princípio ativo, classificam-se em famílias muito diversas (ex. cloroacetanilidas, oximas, dinitroanilinas, organofosforados, fenoxiácidos, tiocarbamatos, triazinas, benzimidazoles, dentre outros).

Os campos de aplicação são igualmente variados sendo utilizados em tratamentos fitossanitários (agricultura e indústria), setor terciário (turismo, portos, infraestruturas, cemitérios, etc), pecuária, aquicultura e higiene pessoal. Estes elementos estão depositados no leito do rio.

Ao longo dos anos, os pesticidas têm sido substituídos, passando de compostos bioacumulativos e de difícil degradação, como os organoclorados (DDT, lindano, ciclodienos do tipo aldrin, endrin, dieldrin), a compostos mais polares e degradáveis, tais como os n-metilcarbamatos e piretroides. No entanto, sucessivas camadas destes compostos se sobrepõem no leito do rio.

A respeito de sua análise em campo, a maior parte dos pesticidas utilizado no passado se encontram depositados no leito do rio Paraguai como COMPOSTOS ORGÂNICOS PERSISTENTES (COPs), de elevada capacidade de bioacumulação e transmissão ao longo da cadeia trófica de todo o ecossistema.

A qualidade do meio fluvial, diferentemente de sua quantidade, é essencialmente um atributo multiparamétrico, que requer, por um lado, a participação de especialistas para uma correta interpretação e, por outro, torna muito complicada a manipulação da informação, o que é um sério inconveniente do ponto de vista de gestão.

É nesse contexto que se baseia a utilidade dos denominados ÍNDICES DE QUALIDADE DA ÁGUA, cujo propósito é agregar a informação, integrando em apenas um número, parâmetros, lugares e períodos distintos.

Não me surpreende saber que este projeto de dragagem do rio Paraguai não fará em seu ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL – EIA, seu monitoramento, tendo em vista que tal índice dependerá de monitoramento permanente de variáveis hidromorfológicas, biológicas e físico-químicas.

A dragagem do rio Paraguai expõe a necessidade de um programa institucional de monitoramento da qualidade da água como subsídio às decisões de gestores sobre tal obra de engenharia.

Este novo cenário, inquestionavelmente, requalifica os papéis dos agentes públicos e sociais que atuam no processo participativo de gestão da água.

Entretanto, está previsto pelas legislações que não é lícito poluir as águas em prejuízo de terceiros e, além disso, cabe a quem polui o ônus da execução de trabalhos visando à salubridade das águas.

AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS DA OBRA

Não conseguimos acesso ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) de tal empreendimento. Entretanto, há de saber que a problemática se origina do uso conflitante gerado pela demanda de escoamento da produção agrícola quanto pelas próprias alterações das condições ambientais.

Cabe ressaltar que o conflito de interesse ocorre sempre quando uma atividade econômica ameaça determinadas áreas com importantes atributos ecológicos ou ecossistemas sensíveis que são protegidos legalmente.

Os impactos ambientais negativos ou adversos se manifestam ou são identificados em virtude de alterações indesejáveis da qualidade ou das condições ambientais.

Neste caso, pode ser observado, por exemplo, que a qualidade da água do rio Paraguai pode ser comprometida para o abastecimento público ou para a recreação (pesca esportiva) ou até mesmo para a sobrevivência da população ribeirinha (pesca de subsistência).

O objetivo de se estudar os impactos ambientais é, principalmente, avaliar as consequências das ações impactantes – local, regional e global – de uma atividade ou empreendimento, por meio de métodos e técnicas de previsão dos impactos ambientais, para que possa prevenir o prejuízo à qualidade de determinado ambiente – ação direta ou indiretamente afetada – que poderá sofrer consequências nas fases de implantação e operação.

Nesse contexto, caberá à equipe multidisciplinar dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul avaliar os trabalhos apresentados pelos responsáveis pela condução e elaboração do estudo de avaliação de impactos ambientais (EIA-RIMA) e na apresentação das soluções para mitigação dos impactos negativos e potencialização dos impactos ambientais e sociais positivos (se houverem) das ações de intervenção no rio Paraguai.

Além disso, diante da complexidade e heterogeneidade dos interesses envolvidos no processo de licenciamento da obra de retificação do leito do rio Paraguai, por meio de dragagem ou explosões, a avaliação de impactos ambientais requer uma condução compartilhada no processo de gestão, tornando-se necessária a observação de procedimentos de participação pública nos processos de tomada de decisão sobre os danos ambientais previsíveis.

Ressaltamos que a moderna literatura jurídica brasileira encontra dificuldade para definir “dano ambiental” e o conceito é apresentado casuisticamente, de acordo com cada realidade.

No em questão, onde se configura o dano ao um sistema fluvial contata-se dano ambiental lato sensu. Isso pelo fato que o valor protegido constitucionalmente é a disponibilidade e qualidade do recurso hídrico, da biota e da saúde pública que poderão ser negativamente afetadas.

Assim, ganha importância a abordagem jurídica de prevenção e precaução, exatamente pela complexidade que envolve o dano ambiental. Nessa linha, a postura mais adequada, quando se trata de questões ambientais, é de evitar o dano, sempre que possível.

As ações devem ser voltadas não apenas para luta a posteriore do dano, mas para a tutela ante litem, que visa à tutela do risco de dano.

Assim, ocorrendo um dano aos recursos hídricos, caberá ao operador do Direito identificá-lo, identificar a autoria e relacionar a ação ao dano constatado.

Conclui-se que o Brasil tem legislação moderna e rigorosa, e o sistema de responsabilidade civil pelos danos ambientais é objetivo, fundamentado a teoria do risco integral, na inversão do ônus da prova e no abrandamento da carga probatória do nexo de causalidade. Essas características jurídicas visam a favorecer o impedimento de todo e qualquer atividade que possa trazer prejuízos ao meio ambiente.

Em essência, a maioria dos esforços em todo o mundo é empenhada na melhora das condições dos nossos rios, mas o significado de melhoria é discutível, pois reflete noções e anseios divergentes.

Melhorar a navegabilidade do rio Paraguai terá um custo altíssimo se forem negligenciados os aspectos ecológicos/ambiente fluvial, focando nas necessidades humanas dentro de uma perspectiva funcional ou utilitária, baseada em conveniências econômicas de curto prazo em detrimento de valores socioculturais, recreativos e estéticos.

Por outro lado, o empreendimento poderá trazer sérios prejuízos as Unidades de Conservação localizadas a jusante.

Trata-se de áreas protegidas que sofrerão grandes modificações hidrológicas de estruturas, habitats, biota, causando deterioração morfológica de sua paisagem.

Levando-se em conta também, que tal empreendimento, deveria considerar o seu alto valor de conservação em âmbito nacional e internacional é preciso reconsiderar quais medidas são necessárias e quais podem ser reduzidas ou canceladas.

Todavia, é difícil encontrar uma solução conciliatória para conservação da natureza, interesses econômicos e desenvolvimento sustentável. 

Foto: André Dib / WWF-Brasil

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