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Projeto de Lei que libera uso de áreas protegidas no Pantanal pode ser suspenso

Por Bruna Pinheiro/Formad

Foram quase quatro horas de discussão e uma opinião em consenso: é urgente suspender a tramitação dos Projetos de Lei 003 e 561/2022. A proposta permite a pecuária extensiva, obras e empreendimentos em áreas de Preservação Permanente e de Reserva Legal dentre outras ações que colocam o Pantanal em risco. A discussão foi realizada nesta quinta-feira (30) em audiência pública, mesmo após a aprovação do PL pelo plenário da Assembleia Legislativa no dia anterior. Participaram representantes de diversas organizações, incluindo indígenas, ambientalistas, ribeirinhos e quilombolas, que exigem a consulta prévia às comunidades tradicionais, além de estudos de impacto do projeto.

A audiência pública foi requerida pelo deputado Lúdio Cabral (PT), único parlamentar a votar contra o PL 561/2022, em sessão ordinária na quarta-feira (29). Clóvis Vaillant, do Instituto Gaia, utilizou dados que revelam que o Pantanal já vem sendo afetado pelo avanço de atividades de exploração e produção nas últimas décadas. Ele alertou ainda sobre o risco de “despantanalização” da área em alguns pontos, como em Cáceres, em que 80% das fazendas já não são mais de pecuaristas tradicionais, além do processo de apagamento das comunidades tradicionais.

“Estamos discutindo a restauração do Pantanal, mas não debatemos porque ele está desaparecendo. Queremos o Pantanal por inteiro. Desde 2008, quando a primeira lei foi aprovada, já perdemos, pois reduziu o bioma a uma planície alagada. O Pantanal é raro, possui pontos de equilíbrio muito tênues para se manter. Não dá para falar que você discutiu a proposta da lei, quando você só conversa com um grupo. No Pantanal, há povos, comunidades tradicionais, outros usos de produção que precisam ser conhecidos e ouvidos”, argumentou.

Para a aprovação do PL, os deputados estaduais apoiaram-se em uma nota técnica da Embrapa sobre os efeitos na pecuária extensiva no Pantanal. No entanto, conforme apresentado pelo representante da organização, o técnico Walfrido Tomas, foram realizados outros estudos a respeito do tema e que não constam na avaliação para o projeto. O técnico reforçou que o Pantanal é uma área de uso restrito, conforme determinado pelo Código Florestal Brasileiro, e que com o devido planejamento e obedecendo aos critérios ambientais estabelecidos, é possível realizar atividades de forma ecológica e sustentável. Dentre as medidas recomendas pela Embrapa estão o uso correto do manejo do fogo, a manutenção da vegetação campestre e a supressão da vegetação nativa

“Qualquer atividade executada no Pantanal precisa ter as garantias de manutenção da diversidade biológica, processos ecológicos e sistêmicos das espécies. A Embrapa Pantanal entregou notas técnicas à Sema com recomendações que preconizam isso em alinhamento ao Código Florestal. A forma como isso vai ser feito é uma decisão política”, disse.

Representado o Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT), Edilene Fernandes, reivindicou transparência por parte da ALMT para o acesso público a documentos, estudos e notas técnicas relacionados a projetos ligados ao Pantanal. Ela ressaltou que além do PL 561, há outros tramitando na casa que merecem atenção e debate. “Vimos hoje que foram elaborados outros estudos da Embrapa e que não estão disponíveis para a sociedade. Este já não contempla questões como incêndios, limites, os outros nós nem sabemos do que se trata. Deixar isso para depois da regulamentação é jogar dinheiro fora. Ou será feito a portas fechadas? Precisamos melhorar o debate sobre o Pantanal, passou da hora dessa Casa fazer isso”, pontuou.

Comunidades e entidades se manifestam

Presentes na ALMT e também virtualmente, representantes de diversas entidades acompanharam a audiência pública, em sua maioria, cobrando a maior participação popular no PL. Em relação aos povos originários como os guatós, por exemplo, já existem protocolos de consulta pública para as comunidades sejam ouvidas diante dessas questões.

“O Pantanal tem povos indígenas e é necessário que eles sejam consultados. Cadê os quilombolas, os ribeirinhos? Somos guardiões do Pantanal. Estávamos lá muito antes. Não é uma discussão de números, é sobre vidas. Por que tanta pressa em aprovar uma lei que não passou por um debate com a sociedade?”, questionou Eliane Xunakalo da Federação dos Povos e Organizações Indígenas do Mato Grosso (FEPOIMT).

Pela Rede de Comunidades Tradicionais Pantaneira, de Cáceres (MT), Claudia de Pinho, lamentou o que vem ocorrendo com o Pantanal. “Infelizmente, há muitas violações de direitos às comunidades que não foram ouvidas nesse processo. Existe uma normativa que regulamente o tipo de ouvidoria, protocolos de consulta e a forma como as comunidades tradicionais, povos indígenas e quilombolas devem ser ouvidos. O PL não afeta só territórios, mas o modo de vida das comunidades. Ele impacta as nossas vidas e a forma de viver. A nossa grande casa é o Pantanal e é preciso respeitar o direito dessas comunidades”,

Representando a SOS Pantanal, Leonardo Gomes, questionou a respeito das notas técnicas da Embrapa e seu aproveitamento para a proposta do PL. “A Embrapa já ofereceu subsídios técnicos para limitação há dois anos. Por que estes limites não estão no PL? O que parece é que quando a nota técnica é favorável, entra na lei, quando tem um insumo técnico que não interessa, ela não entra. Isso precisa ser trazido na integralidade e não somente sobre a pecuária”.

Suspensão

Como encaminhamento das discussões, o deputado Lúdio Cabral emitirá recomendação à ALMT para que suspenda a tramitação do PL, previsto para segunda votação na próxima quarta-feira (06). O parlamentar também defendeu que sejam incluídas emendas para conter as “verdadeiras ameaças de seu conteúdo”.  

“O PL 561 não acolhe nenhuma das recomendações da Embrapa sobre o uso controlado do fogo, assim como a utilização das áreas para a pecuária extensiva. O que está de fato sendo tratado neste projeto? Os interesses da pecuária já são considerados na legislação vigente. Estamos abrindo possibilidade de coisas que nem sabemos ainda. Temos como encontrar um caminho que atende a escuta e os direitos de todos”, destacou Lúdio.

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