Foram cinco votos contrários e oito a favor do Projeto de Lei nº 1363/2023, o “Transporte Zero”, na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT), nesta sexta-feira (2). A justificativa do Governo seria a redução dos estoques pesqueiros, e com a proibição aos pescadores, atribui a eles a responsabilidade. No entanto, sabe-se que a diminuição de peixes é uma consequência de vários impactos ambientais de projetos de construção de barragens para geração de energia, desmatamento de nascentes e matas ciliares, assoreamento de rios, mineração, lançamento de poluentes como agrotóxicos, além da pesca predatória.
Na estimativa do Governo, deve dobrar o turismo de pesca esportiva, atrair muitos turistas e gerar empregos. Mas não leva em consideração que pode deixar milhares de famílias de pescadores profissionais-artesanais, ribeirinhas e indígenas que dependem da pesca em situação de vulnerabilidade social e de insegurança alimentar, desrespeitando os modos de vida dessas comunidades, impondo uma visão autoritária sobre o que seria necessário para a conservação dos recursos pesqueiros. Desrespeitando, inclusive os hábitos de lazer de grande parte da população mato-grossense, que é a pesca.
Uma questão importante é que as comunidades e povos tradicionais deveriam ser consultados por meio de uma consulta prévia, livre e informada, como determina a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) n° 169, cujo país é signatário. No caso dos indígenas, por exemplo, a Convenção Nº 169 reafirma que os povos indígenas e tribais têm direito aos mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que todos os outros seres humanos. Ao mesmo tempo, isso implica também que os costumes indígenas não podem ser justificados, se violarem os direitos humanos universais.
A partir do resultado de hoje, alguns deputados devem tentar uma audiência pública para debater o PL antes de uma segunda votação. Caso seja aprovado pela maioria, tornar-se-á lei a partir de 1º de janeiro de 2024 e deve trazer um futuro incerto para essas famílias. “Se nós deixarmos a pesca ser interrompida por cinco anos, corremos um grave risco de que não possamos mais exercer a atividade de pesca profissional”, desabafou o presidente da Federação dos Pescadores de MT, Lindemberg Gomes de Lima, ao ObservaMT. Lindemberg representa 23 colônias nas bacias do Paraguai, Araguaia e Amazônica. A pesca é um traço da cultura ribeirinha que pode se perder caso os deputados aprovem o PL Transporte Zero.
O PL carece de estudos técnicos
Especialistas afirmam que a aprovação do PL implicaria em impactos socioeconômicos negativos enormes e que faltam estudos e bases técnicas que possam dar sustentação a essa proposta. “O PL em questão não tem embasamento técnico nenhum. Nas Bacias Amazônica e do Araguaia não há dados suficientes para essa tomada de decisão. NA Bacia do Alto Paraguai (BAP), a única que tem estudos científicos de qualidade, coordenados pela Embrapa Pantanal e ANA, no âmbito do Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Paraguai, os dados demonstram que a produção pesqueira está vigorosa, ou seja, ela está em boas condições. Apesar de já ter 47 hidrelétricas na bacia, sua produção pesqueira ainda é capaz de sustentar a pesca profissional artesanal, a pesca turística e a pesca das comunidades tradicionais e indígenas. Essa pesca gera quase R$ 2 bilhões por ano. A BAP é a única que tem dados suficientes e sua produção pesqueira ainda é saudável por conta do seu ambiente ainda estar saudável, com rios livres de barragens”, afirmou Débora Calheiros (Embrapa/MPF).
Ainda segundo Calheiros, o embasamento “técnico” para o PL teria sido por meio da contratação de uma consultoria privada, por parte do Governo de MT, e não apresenta informações de qualidade. “A conclusão é simplesmente para favorecer a pesca turística, que sempre é uma tentativa recorrente de vários governos, de acabar com a pesca profissional e deixar o recurso pesqueiro, que é um bem comum, somente para o turismo de pesca e para favorecer a psicultura, deixando também o caminho livre para a construção de hidrelétricas. Trata-se de uma tentativa do governo de tirar um recurso natural, o recurso pesqueiro, como bem público, privatizando-o apenas para esses setores, em detrimento da sociedade como um todo”, ressaltou.
Pagamento de auxílio aos pescadores
Conforme afirmou o presidente da Federação dos Pescadores de MT, as famílias que têm na pesca sua atividade principal, têm uma renda familiar mensal que varia entre R$ 2 mil e R$ 3 mil. Por sua vez, o PL prevê o pagamento de auxílio de R$ 1 mil em 2024; metade disso em 2025 e 25% no terceiro ano, apenas. “Proibiram a pesca por 5 anos, mas não vão fornecer o auxílio por esse período? Isso é inviabilizar totalmente a segurança alimentar dos povos ribeirinhos e indígenas. Como eles poderão exercer sua cultura e garantir sua alimentação?”, indagou Débora.
O deputado Wilson Santos entrou com um mandato de segurança contra a tramitação do projeto, mas a liminar foi negada pelo desembargador Sebastião de Moraes Filho. O mérito do mandado ainda deve ser apreciado.
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