O clichê é inevitável: 2020 não terminou no Pantanal. Um ano após a sua grande tragédia ambiental, a maior planície alagável do planeta tenta se recuperar enquanto espera que as chuvas interrompam o terceiro ano seguido da seca implacável.
Nos últimos meses, a reportagem da Folha revisitou algumas das regiões mais devastadas, incluindo os santuários da onça-pintada e da arara-azul. Em meio à água escassa, encontrou histórias de resiliência, assim como uma forte preocupação com o futuro do bioma.
Em 11 de setembro de 2020, o fogo queimou 4.300 hectares da propriedade do pecuarista Pedro de Oliveira Rodrigues, 71, em apenas duas horas. Mas a tragédia não terminou naquele dia.
“O fogo não acabou. Dou um exemplo aqui, eu demorei mais de seis meses para conter um foco de fogo”, afirma seu Pedrão, como é mais conhecido, na sede da fazenda São Francisco de Assis, uma das poucas áreas que escapou das chamas.
Fenômeno que ocorre em várias partes do Pantanal, o fogo subterrâneo ou de turfa queima matéria orgânica enterrada a alguns metros da superfície. Por isso, é mais difícil de ser controlado, até mesmo pelas chuvas.
O pasto da fazenda já se recuperou em parte, mas, em várias áreas, cresce sob um vasto paliteiro de palmeiras mortas. A maioria das árvores nativas da área de preservação permanente também morreu pelo fogo.
A fazenda São Francisco do Perigara, no município de Barão do Melgaço (MT), concentrava 15% da população livre de araras-azuis (Anodorhynchus hyacinthinus), o maior santuário mundial da espécie ameaçada de extinção. Até que, em agosto de 2020, o fogo atingiu 92% da propriedade.
Em setembro passado, a Folha acompanhou o trabalho de campo de pesquisadores do Instituto Arara Azul na fazenda, de cerca de 25 mil hectares. O objetivo era fazer a contagem da população nos locais de repouso e dormitório e avaliar a situação de outras espécies.
Ao todo, foram contabilizadas 409 araras-azuis. Antes do incêndio, essa época do ano concentrava de 500 a 800 espécimes —em setembro de 2020, a contagem somou 736. O instituto atribui a diminuição à escassez de alimentos.
Coordenadora da expedição e presidente do instituto, a bióloga Neiva Guedes afirma que, dada a extensão do incêndio, o pior da história da fazenda, ela inicialmente estimou um impacto ainda mais devastador.
“Meu medo era que não tivesse mais araras. Quando sobrevoei [em setembro de 2020], achei que tinha acabado. Mas, ao descer e andar no campo com a equipe do Arara Azul, a gente ficou surpreso com a quantidade de animais: emas e araras-azuis com filhotes recém-nascidos. Elas fizeram a postura depois do fogo”, afirma.
Guedes pesquisa as araras-azuis há 31 anos. Por sua dedicação à preservação da espécie, passou neste ano a integrar o hall da fama da ONU Mulheres, organização das Nações Unidas dedicada à igualdade de gênero.
A pesquisadora cita dois dois fatores que contribuíram para a sobrevivência da arara-azul na fazenda: algumas ilhas de vegetação intactas ou pouco queimadas que serviram de refúgio e o fato de o acuri, palmeira que fornece o principal alimento da arara-azul, ser mais resistente ao fogo.
Por outro lado, o fogo levou as araras-azuis a se adaptarem. Antes do incêndio, elas se concentravam perto da sede da fazenda. Depois, preferiram o Rubafo, uma grande baía.
Em novembro, porém, funcionários da fazenda relataram que a baía havia secado pela primeira vez na história. Para reavaliar a situação, novas viagens técnicas serão feitas pelos pesquisadores. “Estamos vivendo uma época de poucas águas”, resume Guedes.
Clique aqui e leia a reportagem completa
Fonte: Folha de São Paulo
Foto: Área queimada no Pantanal em 2021. (Corpo de Bombeiros de MS).