A intensificação da seca no Pantanal e no rio Paraguai, alteração no leito do rio e a escassez de peixe são alguns dos principais impactos previstos para os estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, caso o pedido para licença prévia da Unidade Portuária de Barranco Vermelho seja aprovado no Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) de Mato Grosso na reunião agendada o dia 26 de janeiro. A instalação do empreendimento privado na cidade de Cáceres, na margem esquerda do rio Paraguai, tem como objetivo realizar operações portuárias e transporte de grãos, insumos e combustíveis, em um trecho de 680 km, até Corumbá (MS).
De acordo com o revisor do processo no Consema e representante da Associação Sócio Cultural Ambiental Fé e Vida, Lourival Vasconcelos, o processo de Estudos de Impactos Ambientais (EIA-Rima) apresentado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente tem 111 (cento e onze) pendências e não atende ao Termo de Referência. “Por apresentar tantas pendências, o EIA-Rima deveria ter sido indeferido de plano, em sua totalidade, conforme previsto na legislação ambiental vigente, neste caso, o Artigo 32 da Lei Complementar nº 592, de 26 de maio de 2017.”
Apesar disso e do descumprimento da legislação ambiental por parte do empreendedor, a Sema emitiu parecer técnico favorável à licença prévia em dezembro de 2021 que será votada no Consema.
Descumprimento da legislação ambiental
O licenciamento do porto na cidade de Cáceres é objeto de uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal de Cáceres, iniciada em 2020, e foi autorizado em caráter liminar pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Para a Sociedade Fé e Vida, o licenciamento dos portos no leito do rio Paraguai implicaria no funcionamento da hidrovia, sem a devida liberação pelo Ibama. O porto também contraria a recomendação nº 10/2018 do Comitê Nacional das Zonas Úmidas (CNZU), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, que indica restringir esta parte do rio Paraguai para navegação de grande porte.
Os comboios previstos para navegar no rio Paraguai são compostos por duas barcaças, de fundo chato, e um rebocador, que medem, no total, 140 metros de comprimento por 24 metros de largura. De acordo com o revisor do processo, “será necessário efetuar alterações na margem do rio em diversos pontos, além de obras de dragagem e aprofundamento do leito, dentre outras alterações que iriam modificar o seu aspecto natural e possivelmente descaracterizá-lo, trazendo impactos significativos. Também é importante salientar que o período de seca tem ultrapassado mais de quatro meses, o que influencia na navegabilidade”, disse.
Impactos socioambientais em MT e MS
Para o revisor, além de alterar o formato natural do rio Paraguai, “os impactos socioambientais não ficarão restritos à área de influência declarada no processo, que é apenas de 1,8 km”.
As áreas de influência direta e indireta do empreendimento são habitadas por comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, ribeirinhas e de pescadores profissionais e artesanais. No trecho do rio Paraguai entre Cáceres e Corumbá também haverá impacto na biodiversidade aquática e terrestre e consequente alteração nas áreas úmidas, a exemplo do próprio Parque Nacional do Pantanal, tanto na parte de Mato Grosso quanto na de Mato Grosso do Sul.
Outros locais como a Estação Ecológica Taiamã, reconhecida como sítio Ramsar, e o Parque Estadual Guirá também serão impactados. “As barcaças carregadas passarão ao lado da ilha Ínsua, reserva indígena da etnia Guató, que também não foi consultada sobre o licenciamento da Unidade Portuária de Barranco Vermelho”, reitera Vasconcelos.
O relatório também aponta que não houve a Consulta Prévia, Livre e Informada às comunidades que podem ser afetadas pelo porto, requisito obrigatório para a obtenção do licenciamento quando há comunidades tradicionais potencialmente atingidas. Além da consulta, é pré-requisito que as pessoas sejam informadas no âmbito de uma Audiência Pública sobre os impactos do empreendimento. Neste caso, a Sema realizou uma audiência virtual, em 2020, no contexto das extensas queimadas na região do Pantanal e durante a pandemia, fato que impossibilitou a participação efetiva por conta da dificuldade de acesso à internet, especialmente nas comunidades ribeirinhas e assentamentos rurais.
“Se o Consema deliberar pela aprovação do porto, sem os devidos estudos sobre os impactos cumulativos e sinérgicos no Pantanal, toda a Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai será afetada. A operação provocará impactos aos ribeirinhos, pescadores profissionais e artesanais, e agentes do turismo de pesca, que são as principais atividades econômicas geradoras de emprego e renda na região. O tráfego das barcaças é previsto para as 24 horas do dia e durante pelo menos oito meses por ano”, conclui o revisor.
Fonte: Associação Sócio Cultural Ambiental Fé e Vida