Rede justifica que são precisos estudos para avaliar impactos ambientais, já que a obra deve alterar a dinâmica dos rios e afetar a biodiversidade
As organizações membros do Observatorio Pantanal expressam, por meio desta nota, sua discordância ao Decreto nº 10.163, publicado em 9 de dezembro de 2019 pelo Governo Federal, que dispõe sobre a execução do Oitavo Protocolo Adicional ao Acordo de Transporte Fluvial pela Hidrovia Paraguai-Paraná. O Observatorio trabalha para o reconhecimento da importância da conservação e uso sustentável do bioma Pantanal. A implementação da referida hidrovia poderá gerar impactos negativos na região e a rede tem posicionamento contrário a esse decreto.
CONSIDERANDO QUE:
O sistema fluvial Paraguai-Paraná, parte do Sistema de Áreas Úmidas Paraná- Paraguai, permeia cinco países do cone sul da América do Sul: Bolívia, Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. Pertence à Bacia do Prata e abrange área de cerca de 1,75 milhão de quilômetros quadrados e seu eixo hídrico forma uma via de quase 3.500 quilômetros;
O Pantanal é considerado pela Constituição Federal de 1988 como Patrimônio Nacional (art. 225, parágrafo 4º), é reconhecido pela Unesco em 2000 como Sítio do Patrimônio Natural Mundial, é considerado uma Reserva de Biosfera e que conta hoje com quatro Sítios Ramsar Convenção Ramsar;
O Brasil ratificou os compromissos assumidos junto a Convenção para Conservação de Zonas Úmidas de Importância Internacional, Convenção de Ramsar, pelo Decreto nº 1.905, de 16 de maio de 1996;
A Iniciativa Regional de Ramsar sobre Conservação e Uso Sustentável das Áreas Úmidas Fluviais da Bacia do Prata (Res. XIII.9, 2009) objetiva desenvolver a cooperação técnica regional para promover a conservação e uso racional da Bacia do Prata, elaborar e implementar uma estratégia de uso sustentável das Zonas Úmidas fluviais da Bacia;
A hidrovia proposta tem um impacto potencial substancial sobre o regime de inundações do Pantanal, incluindo um escoamento acelerado, maiores descargas de pico no rio e diminuição da área passível de inundação sazonal na planície, em especial na fase de seca, as quais produziriam mudanças de produtividade e diversidade do Pantanal;
Em relação ao Decreto 2.716, de 10 de agosto de 1998, que promulga o Acordo de Transporte Fluvial pela Hidrovia Paraguai-Paraná- HPP (Porto de Cáceres/Porto de Nova Palmira), estudos apontam que a questão ambiental está contemplada aquém do necessário, sendo mencionada apenas no artigo nº 34, tratando-a exclusivamente como um aspecto acessório ou derivado da navegação, omitindo toda determinação a respeito dos impactos ou métodos de avaliação ambiental ou estratégica tanto do aumento direto da navegação, como das obras de intervenção necessárias para facilitar a navegação;
A pressão para a retomada do Projeto da Hidrovia Paraguai-Paraná poderá induzir que o mesmo seja licenciado e executado sem uma avaliação exaustiva dos impactos socioambientais e sem nenhuma consideração aos direitos das populações tradicionais de serem informados e consultados sobre o projeto que pode causar danos irreversíveis à região onde vivem e se reproduzem culturalmente;
O mais recente estudo de viabilidade da Hidrovia Paraguai-Paraná (EVTEA – UFPR/ITTI, 2015) apresenta uma análise econômica com premissas frágeis, as quais comprometem o resultado, subestimando custos e superestimando benefícios;
O capítulo ambiental do EVTEA é superficial, minimiza impactos de dragagem sobre substrato de fundo e organismos bentônicos, bem como impactos do lançamento do dragado sobre trechos do próprio rio, como tampouco aborda questões relevantes como o possível impacto das dragagens sobre a hidrodinâmica e consequências para o ambiente do Pantanal;
O EVTEA também ignora cenários de mudanças climáticas e possíveis impactos sobre a produção de sedimentos (demandas sazonais de dragagem) e operação hidroviária, especialmente em períodos secos, bem como ignora possível aumento da frequência de eventos extremos de precipitação e as consequências do carreamento de sedimento de montante, nestas ocasiões, para canais e talvegues;
O Plano de Recursos Hídricos da Região Hidrográfica do Rio Paraguai (PHR Paraguai) não incorporou a Hidrovia Paraguai-Paraná diretamente em seus estudos e orientações, embora tenha feito menção ao transporte hidroviário como usuário quando da discussão sobre outorga e cobrança pelo uso da água;
O Decreto nº 10.163, de 9 de dezembro de 2019, desvalida a Ação Popular movida contra o licenciamento da Hidrovia Paraguai-Paraná promovida no ano de 2002. Demanda, iniciada pelo Ministério Público Federal, que pleiteou a paralisação do licenciamento do Porto de Morrinhos em Cáceres, sob a alegação da necessidade de o licenciamento ser realizado pelo IBAMA (impacto regional) e englobar a totalidade do empreendimento;
A Recomendação do Comitê Nacional de Zonas Úmidas Nº 10, de 22 de janeiro de 2018, recomenda à Agência Nacional de Águas -ANA, ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH e ao Ministério dos Transporte, atual Ministério da Infraestrutura, e Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT que excluam o trecho do rio Paraguai denominado Tramo Norte, entre Cáceres e Corumbá, da possibilidade de navegação industrial ou de grande porte na Hidrovia Paraguai-Paraná, uma vez que é um dos trechos de extrema fragilidade do Sistema Paraguai-Paraná de Áreas úmidas quanto aos aspectos hidrodinâmicos, sedimentológicos, biogeoquímicos e ecológicos do rio Paraguai, e que declare este trecho como de “ÁREA COM RESTRIÇÃO DE USO para a navegação de grande porte;
A modificação do regime hidrológico ao longo da Hidrovia no rio Paraguai impactará os macrohabitats [1], pois nesta região o pulso de inundação apresenta os maiores valores de frequência, duração e amplitude, portanto, as mudanças na intensidade e duração do regime de inundação afetarão a distribuição dos organismos, a extensão da área úmida e a manutenção do caráter sazonal da área úmida, além dos padrões de biodiversidade;
Os macrohabitats desta região são considerados hotspots de biodiversidade e que qualquer atividade antrópica que possa promover a diminuição da água e a perda desses macrohabitats podem colocar em risco os seus múltiplos benefícios/serviços ecossistêmicos oferecidos por eles;
O Código Florestal (Lei 12.727/2012) em seu artigo 6º,§ IX, determina que se deva proteger áreas úmidas, especialmente as de importância internacional e em seu artigo 10, que nos pantanais e planícies pantaneiras, deve-se considerar as recomendações técnicas de órgãos oficias de pesquisa para se permitir a exploração considerada como “ecologicamente sustentável”.
Pelo exposto anteriormente, FAZEMOS um chamado para:
a. Respeitar IMPRETERIVELMENTE a Recomendação CNZU no.10/2018 EXCLUINDO O TRAMO NORTE DA HPP, entre Cáceres e Corumbá, da navegação de grande porte no rio Paraguai.
b. Promover o acompanhamento técnico-jurídico dos licenciamentos de empreendimentos de impacto significativo no Pantanal Sul, a jusante de Corumbá – MS;
c. Promover ações de incidência para a realização de análise de impacto dos macrohabitats e região alagável afetada pela hidrovia no Pantanal Sul, a jusante de Corumbá – MS;
d. Fixação e acompanhamento das compensações ambientais devidas nos licenciamentos ambientais de impactos significativos no Pantanal Sul, a jusante de Corumbá – MS;
e. Realizar uma Avaliação Ambiental Estratégica na avaliação de políticas públicas que possam impactar severamente o meio ambiente, assim como nas licenças de obras com impactos cumulativos;
f. Realizar atualizações do PRH que incorporem a HPP definitivamente, com seus impactos e efeitos sobre outras atividades, além de relações de dependência destas;
g. Estabelecer um Protocolo Ambiental no âmbito do Acordo da Hidrovia Paraná-Paraguai, reconhecendo a inter-relação entre a hidrovia e as áreas úmidas conectadas;
ASSINAM esta Declaração os membros do Observatorio Pantanal.
[1] Macrohabitats: unidades de paisagem sujeitas a condições hidrológicas similares e cobertas com uma especifica vegetação superior característica, ou na sua ausência, sujeita a um meio ambiente similar, terrestre ou aquático (Junk et al 2012).