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Espécies são prejudicadas por conversão da vegetação nativa no Pantanal

Via UFMS

Grande conversão da vegetação nativa no Pantanal está influenciando na conservação das espécies arara-azul-grande, seu principal recurso alimentar, o acuri e o de nidificação, o manduvi.

Essa foi uma das principais constatações da pesquisa de Mestrado de Maxwell Rosa Oliveira, orientado pela professora Letícia Couto Garcia, do Laboratório Ecologia da Intervenção (LEI), do Instituto de Biologia (Inbio). O estudo é resultado do Acordo de Cooperação entre o Instituto Arara Azul e a UFMS, com colaboração da Embrapa Pantanal e foi desenvolvido no programa de pós-graduação em Biologia Vegetal da Universidade.

“Considerando as mudanças recentes na paisagem do Pantanal, percebemos a necessidade de pesquisas sobre quais regiões mais necessitam de políticas públicas para melhor conservar essas espécies, ou seja, para identificação de áreas prioritárias para estabelecimento de Cotas de Reserva Ambiental (CRAs), programas de restauração e de Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), implantação de Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TI)”, explica a professora.

Maxwell obteve resultados elaborados a partir do teste de dois métodos de redução do viés amostral (ambiental e geográfico) e o tipo de variáveis utilizadas (local, climática e biótica) nos modelos de distribuição dessas espécies na escala do bioma.

Bioma

Maior área úmida de interior do mundo, o bioma Pantanal tem aproximadamente 150 mil quilômetros quadrados. No auge da cheia, até 40% dessa área fica alagada. Possui desde regiões que permanecem sempre inundadas, enquanto outras nunca se enchem.

O Pantanal tem alta heterogeneidade, variação de ambientes florestais a campestres em poucos metros, com fatores importantes que moldam a distribuição das espécies.

“Do ponto de vista da conservação, entender onde uma espécie ocorre, qual sua a sua distribuição é muito importante para que consigamos tomar decisões mais precisas, como por exemplo, definir áreas prioritárias para conservação ou restauração dessas espécies. Além disso, entender a distribuição de uma espécie na paisagem nos permite relacionar com outros fatores permitindo cálculo de perda de habitat dessas espécies”, explica o mestre.

Para estudo, o pesquisador selecionou duas espécies vegetais, a Sterculia apetala conhecida como manduvi, espécie arbórea de grande porte e a Attalea phalerata, conhecida como acuri, espécie de palmeira. Elas são recursos alimentar e de nidificação e abrigo para mais de 20 espécies de diferentes grupos, como mamíferos e aves.

A terceira espécie é a Anodorhynchus hyacinthinus, conhecida como arara-azul-grande, globalmente considerada uma espécie vulnerável pela IUCN e bandeira para o bioma. “Além disso, o que nos levou a selecioná-la foi o seu alto nível de especialização nas duas espécies vegetais. Sua dieta é composta de 96% de castanhas do acuri, e seus ninhos em 86% a 94% das vezes são alocados em indivíduos do manduvi”, afirma.

Entre os objetivos da pesquisa estão definir a distribuição potencial das três espécies no bioma Pantanal buscando uma melhor compreensão de como os fatores bióticos e abióticos afetam suas distribuições.

“Associando essas informações com a perda (conservação da vegetação) e conservação (unidades de conservação e terras indígenas) de habitat, esperamos gerar informações capazes de auxiliar na tomada de decisão para conservação e/ou restauração de habitats das espécies e do bioma em estudo”, expõe Maxwell.

Dentro do limite do Pantanal, o pesquisador trabalhou com 185 registros da arara-azul-grande, 87 para acuri e 384 para manduvi, sendo os dados de ocorrência utilizados obtidos na Embrapa Pantanal, Instituto Arara-azul e speciesLink.

O Pantanal vem apresentando crescentes taxas de conversão da vegetação nativa, aponta o pesquisador, sendo a principal causa a tomada de áreas pelas pastagens.

Foi identificado um “arco do desmatamento” no Pantanal, pela Angélica Guerra durante seu doutorado em Ecologia e Conservação pela UFMS, vindo de leste para oeste. Sendo que as Unidades de Conservação (UCs) e as Terras Indígenas (Tis) protegem apenas 12% de todo o território do bioma, sendo 4,5% de uso sustentável. Pouco se conhece de como a conversão da vegetação nativa afeta as espécies no Pantanal”, diz Maxwell.

Os poucos estudos que existem mostram que o manduvi responde de forma negativa à conversão, podendo representar uma redução no recrutamento e na sua população.

“Buscamos uma melhor compreensão dos padrões de distribuição das espécies dentro do Pantanal e os efeitos da conversão da vegetação nativa e das UCs na perda de habitats dessas espécies, assim como identificar áreas prioritárias para conservação e restauração dos habitats dessas espécies”, diz.

Conservação

Para calcular a conservação e perda dos ambientes adequados para as espécies, foi utilizado mapa de conversão de vegetação nativa, de uso e ocupação do solo do Instituto SOS Pantanal, com mapeamento realizado entre 2002 e 2017.

“Relacionamos com o mapa binário de ambientes adequados para a espécie gerados em etapa anterior. Para cálculo dos habitats conservados utilizamos os limites das UCs e TIs do cadastro estadual e federal e relacionamos ao mapa binário de ambientes adequados”, explica.

Para o manduvi, o teor de carbono orgânico do solo, a frequência de inundação e o pH do solo em H2O foram as três variáveis que mais contribuíram para o seu modelo, que apresentou 23,7% da área do Pantanal como adequada para sua espécie.

Já para o acuri, que apresentou 40,2% da área do Pantanal adequada para sua existência, a densidade aparente de terra fina, a frequência de inundação e a textura do solo foram as três variáveis que mais contribuíram para o seu modelo.

No caso da arara-azul, o importante é a relação positiva com a ocorrência das espécies de vegetais e seu modelo apresentou 39,1% de área do Pantanal como adequada para seu habitat.

De acordo com o levantamento, nesse período de 15 anos (2002/2017), o acuri foi o que mais perdeu área predita como adequada pelo modelo, 12,4%, seguido do manduvi com 11,8% e da arara-azul com 11,3%.

A área perdida para as três espécies seguiu o padrão de conversão da área nativa, segundo o pesquisador. Do total do ambiente adequado que está preservado, para o acuri o percentual fica em 8,6%, 11,8% para manduvi, e 11,3% para arara-azul.

“Logo, vemos que a área perdida é maior que a de preservados para a espécie e dentre as categorias, a que mais preserva é a área de proteção ambiental, contudo essas áreas são classificadas de uso sustentável, então dentro há atividades econômicas e ocupação”, afirma.

Pelo menos 30% do Pantanal é predito como adequado para as três espécies, sendo 8% de área protegida e 13% já perdido pela conversão da vegetação nativa.

As duas grandes regiões adequadas estão ao sul, formada pela Nhecolândia, Miranda e Aquidauana e uma mais ao norte, na região de Cuiabá, São Lourenço e Corixo Grande. Além dessas áreas, existem as inadequadas para essas espécies principalmente por serem de grande frequência de inundação, como a do Paraguai Corumbá, Paraguai Norte, Nabileque Leste e Oeste e na região de maior inundação do Taquari.

Outra região imprópria para as espécies é a sub-região do Paiaguás, em contraste as suas duas margens, leste e oeste, que seriam adequadas.

“Como observado por outros pesquisadores anteriormente, as duas populações de arara, ao norte e ao sul, possuem uma distancia genética entre elas e essa região inadequada do Paiaguás pode estar funcionando como uma barreira geográfica, dificultando a migração de indivíduos entre elas; por outro lado as duas margens leste e oeste do Paiaguás pode estar funcionando como corredores, facilitando essa movimentação entre as duas populações. Vele salientar, que é na região leste que possui os maiores índices de perda de habitats. A relação de ambientes preservados e a taxa de perda de ambiente pode estar relacionado com a frequência de inundação, distribuição das UCS e conversão da vegetação nativa”, aponta o pesquisador.

“Ou seja, se hoje fosse para apontar a área mais prioritária para a conservação a arara-azul-grande, com recomendações de estabelecimento de políticas de incentivo como CRAs, PSA, projetos de restauração e implantação de RPPNs por exemplo, chamamos atenção para a borda leste do Paiaguás, sob grande ameaça e de grande importância como corredor para as populações do norte e do sul”, ressalta Letícia.

O problema é que as UCs e TIs estão alocadas em áreas de alta frequência de inundação, preditas como inadequadas para as espécies estudadas.

Em relação a conversão da vegetação nativa, ela não ocorre de forma homogênea no Pantanal, estando concentrada principalmente na região leste formando o “arco do desmatamento”, segundo Letícia, melhor denominado “arco de conversão da vegetação nativa”, uma vez que no Pantanal não só matas são convertidas, mas também ambientes abertos como os campos.

“Quando comparamos a conversão da vegetação nativa de acordo com a fitofisionomia, vemos uma seletividade, onde as fitofisionomias mais afetadas são as que ocorrem principalmente nas áreas não inundáveis do Pantanal. Esses dois fatores indicam que a conversão da vegetação nativa também ocorre de forma seletiva no Pantanal, afetando principalmente as áreas de baixa frequência de inundação ou não inundáveis, sendo essas áreas as preditas pelo modelo como adequadas para a ocorrência das três espécies”, diz o pesquisador.

Essas áreas também podem ser afetadas por outros fatores relacionados ao manejo inadequado, como o uso do fogo em épocas impróprias e em alta frequência ou alta densidade de gado sem planejamento da paisagem do entorno.

Para a conservação e restauração das espécies estudadas, é preciso considerar a distância genética e a barreira geográfica entre as regiões do norte e do sul do Pantanal, os possíveis corredores presentes na região leste e oeste do Paiaguás e a proteção dos ambientes de baixa frequência de inundação ou não inundáveis do bioma Pantanal.

“Atualmente, a área de ambiente adequado para essas espécies e que foi perdida devido à conversão da vegetação nativa é maior que a área desses ambientes conservados pelas unidades de conservação. Essa relação se deve ao fato da ocorrência dessas espécies estarem associadas à ambientes de baixa frequência de inundação ou não inundáveis”, completa Maxwell.

Texto: Paula Pimenta
Originalmente publicado aqui.

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