No ano de 2020 o Pantanal chamou atenção do mundo devido aos grandes incêndios que atingiram cerca de 30% do bioma. A perda ambiental foi imensa e nunca será quantificável com precisão e os impactos sociais continuam sendo minimizados até hoje, dois anos depois. Entretanto, os incêndios também trouxeram mudanças como, por exemplo, na atuação da prevenção e combate do fogo, com a criação e treinamento contínuo de novas brigadas comunitárias e particulares, a união dos diferentes setores em defesa da planície pantaneira e ressaltaram as transformações ocorridas no ecossistema nas últimas décadas.
Para falar sobre essas mudanças entrevistamos Nelson Araújo Filho, diretor-presidente do Instituto Agwa: Soluções sustentáveis, organização-membro do Observatorio Pantanal, que publicou o paper Pantanal desconhecido: uma história de incêndios e assoreamento, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul – IHGMS. O artigo traz uma outra perspectiva de análise que ficou mais exposta com os incêndios de 2020. São informações importantes e diferenciadas e que provocam reflexões sobre o futuro desse Patrimônio Natural da Humanidade. Confira a conversa e leia o artigo na íntegra aqui.
1. Em 2020 muito se falou sobre os impactos causados pelos incêndios ao bioma pantaneiro e o Instituto Agwa, por meio do paper publicado neste mês, nos apresenta informações que vão além dos impactos. Pode nos contar um pouco dessa relação dos incêndios com o assoreamento do Pantanal?
O vínculo entre assoreamento e os incêndios é direto. Mas tem ainda um terceiro elemento nesse cenário, que é o ciclo de seca. O Pantanal é lugar de extremos. De tempos em tempo, sem padrão definido, as águas surgem em grandes volumes, produzindo cheias espetaculares, ou são escassas, de tal forma que o terreno se assemelha ao semiárido. Em 2020, teve início um severo ciclo de seca, e a planície que desde 1975 convivia com volume abundante de água, assistiu essa água vir em quantidade muito reduzida que coube toda nas calhas dos Rios Paraguai, Cuiabá e São Lourenço.
Antes do ciclo de seca de 2020, teve o de cheia de 1975, depois do ciclo de seca iniciado em 1959. Em 75 o grande volume de águas encontrou as calhas dos rios com um fluxo de sedimentos indevidos oriundos do início da ocupação econômica do Planalto circundante. Disso resultou que a grande cheia de 75 avançou pelos campos e não recuou, promovendo uma ocupação importante, e permanente, ao longo dos anos seguintes, na planície entre o Paraguai e o Cuiabá – São Lourenço, ao sul de Cáceres e Poconé, prosseguindo pelo Paraguai até Corumbá.
A inundação cobriu essa parte do Pantanal, por 45 anos. Até que a baixa vazão de 2019/2020, voltou a acomodar as águas nos leitos dos rios. O recuo das águas expôs grande quantidade de espécies vegetais, abundantes nos alagados. Esse material secou e foi o combustível altamente inflamável dos incêndios. Os sedimentos indevidos são a causa maior dos incêndios, na medida em que causam o entupimento dos rios e a inundação dos campos marginais que, na seca, permitem o fogo.
Importante apontar que a trajetória do Taquary é diferente dos demais rios atingidos severamente pelo assoreamento. O Taquary não conservou sua calha, no terço final. Suas águas mudaram de rumo e o alagamento que promoveu, não secou. Baixou de nível apenas e por isso não assistiu incêndios.
E foi justamente o incêndio nesses trinta por cento da planície Pantaneira que nos permitiu ter a convicção de que se tratava a região, de um outro Pantanal, o da areia, aquele que resultou do entupimento das calhas dos rios e estabeleceu um território de inundação permanente.
2. Há conhecimento sistematizado sobre essas áreas alagadas dentro da planície?
Eu desconheço e o Instituto AGWA ao divulgar o cenário do Pantanal das Areias objetiva também despertar o interesse científico para esses eventos.
3. Pode se dizer que a transformação de áreas inundáveis para áreas alagadas é uma evolução natural do bioma, porém foi acelerada pelo assoreamento? Fenômeno parecido com o ocorrido no Taquari.
O Instituto AGWA entende que a recuperação dos 800 mil hectares da inundação do Taquary, no Payaguas dos Xarayes, é uma recuperação da atividade econômica, que não envolve intervenções no meio ambiente que a natureza reconstruiu ao longo de 40 anos. Nossa proposta é a de preservação e geração de riquezas a partir de outras atividades econômicas.
Claro que essa resposta vai ser adequadamente respondida pela ciência. Mas antecipo que não acredito na linha do processo natural. E digo o porquê, por exemplo, o Taquary, rio mais emblemático nesse tema de grande condutor de sedimentos, levou centenas de anos para incrementar as alterações de curso em sua foz, como bem demonstram os mapas espanhóis de 1580 e os relatos de Roosevelt e Carneiro da Cunha em 1913.
4. Na perspectiva de atuação do Agwa, é possível explorar as áreas alagadas de maneira sustentável?
Sim, com certeza. E os projetos formulados pelo Instituto AGWA são assim direcionados e as perspectivas são promissoras.
5. Há algo que pode ser feito para conter o assoreamento e a crescente das áreas alagadas permanentes?
As áreas de inundação permanente, oriundas de ações antrópicas no planalto circundante não precisam ser o patinho feio do Pantanal. É cedo ainda, mas o Instituto AGWA acredita que seu valor estratégico não vai tardar para ser reconhecido.
Isso não significa que o combate as fontes erosivas seja dispensado. É necessário muito estudo, mas o Instituto AGWA também antecipa que o instrumento adequado de contenção vai se servir da geração de riquezas.
*Nelson Araújo Filho é diretor-presidente do Instituto Agwa: Soluções Sustentáveis.
**O Instituto faz parte do coletivo Observatorio Pantanal e atua em favor da preservação e conservação dos territórios alagados, tendo por base a geração de riquezas com a introdução de outras práticas econômicas sempre ao abrigo da ocupação e uso sustentável e pela valoração do patrimônio natural transformado e consolidado, por ação da natureza, ao longo das últimas décadas. Clique aqui e conheça mais sobre o trabalho da organização.
Fotos: Acervo Instituto Agwa