Devo dizer que me impressionavam as posições dos sábios que viviam na planície pantaneira nos anos 80 e 90. Cássio, Naudi, Geraldo, Orlando, Guilherme, Cleto, Sofia, Caio, todos eles eram detentores de grandes áreas e as manejavam com muita sabedoria. A despeito de serem grandes proprietários, a humildade em saber ouvir e a capacidade de falar de forma pausada sempre foram diferenciais marcantes em todos eles. O tempo destes homens era o de “carro de boi” e diziam que a pressa sempre foi inimiga da perfeição.
Precisamos conhecer melhor nossos passos do passado. Esta é uma condicionante fundamental para proporcionar acertos no presente.
Esses atores têm uma incomparável história da relação homem-natureza. E nesse árduo trabalho que desempenharam, deixaram uma lição que nos revela boas surpresas. Eles deixaram um legado de valor extraordinário: o capital natural!
É evidente que não existe uma visão clara da maioria da sociedade sobre as mudanças que estamos vivendo e que afetam a todos.
A bem da verdade é que alterações climáticas e perda progressiva da biodiversidade passam a ser fatores críticos para a manutenção de negócios e da qualidade de vida no âmbito global. E o que ainda parece para muitos utópico e equivocado, revela uma realidade que ampara um amplo espectro de novos negócios.
Ao mesmo tempo, as forças política e econômica podem não indicar, necessariamente, a melhor alternativa para a ampliação desenfreada do uso do território. A participação do Estado, em circunstâncias assim, é fundamental para dar uma direção com visão estratégia sobre as possibilidades de desenvolvimento sustentável.
É fundamental compreender esta oportunidade, sem que fiquemos pautados por uma discussão empobrecida, que não permite uma visão mais qualificada sobre os ativos ambientais de nosso território e que podem proporcionar ganhos coletivos sem precedentes.
Deixar de lado o debate político polarizado representa um primeiro passo para abrir os cenários que estão sendo oferecidos pelo novo momento que estamos vivendo. Não existem lados, existe uma riqueza de competências e sabedorias que podem nos ajudar a precificar, consolidar e usufruir deste fantástico legado, fazendo jus ao homem pantaneiro que pautou suas atividades na inclusão da conservação do patrimônio natural em suas práticas e arcou sozinho com este ônus.
Neste contexto, passadas gerações, não acha que devemos refletir como é que as atividades econômicas praticadas na região, mesmo considerada de “baixa produtividade”, ainda assim sobreviveu? Cabe a nós refletir como a história de anos de uso do Bioma Pantanal garantiu um modelo econômico que foi exercido de forma adequada e conseguiu gerar e reservar riquezas importantes.
E o que mudou no cenário atual para permitir um avanço sem precedentes na economia pantaneira? É preciso perceber com mais profundidade que estamos diante de um processo irreversível, no qual o mundo passou a reconhecer a importância das áreas naturais remanescentes e está aberto a pagar pela natureza conservada. Afinal, os desastres ambientais, cada vez mais frequentes e intensos, colocam em risco toda a economia global e a própria qualidade de vida da população e suas atividades econômicas.
Devemos reconhecer que, neste contexto atual, os mais antigos, que deram as diretrizes de uso econômico do Pantanal, diferente de muitos lugares do país, souberam estocar o capital natural de maneira a garantir um ativo que hoje pode gerar um amplo espectro de novos negócios para seus proprietários atuais. Assim como a Lei da Mata Atlântica, promulgada em 2006, mostra-se evidente que o Pantanal precisa proteger suas áreas em estágio médio e avançado de conservação de maneira consistente, abrindo espaço para usos alternativos e muito atraentes para estes espaços.
Estamos vivendo um momento único e determinante, a partir da construção de uma Lei do Pantanal. Está é a oportunidade para amparar o que a nova realidade está expondo para todos nós: a necessidade de “valoração deste ativo”, representado por áreas naturais em bom estado de conservação, de forma a garantir os justos benefícios para aqueles que conservam.
Hoje, este capital natural gera um fluxo de serviços ecossistêmicos, produzindo uma série infindável de bens e serviços proporcionados pelas áreas conservadas e com reflexo para toda a sociedade.
A discussão a ser feita deve estar rodeada de sabedoria e com um olhar no futuro. Precisa-se pensar em ir muito além de regramentos para a implantação de práticas convencionais e de alto impacto para o Bioma Pantanal. Não se trata de definir o que desmatar mas, sim, de abrir espaços para uma precificação deste ativo que tem importância tão relevante quanto o Bioma Amazônico e assim deve ser pontuado.
Já estão em pleno uso no mercado ações que permitem a precificação do uso indireto de nosso patrimônio natural, como carbono e a biodiversidade, dentre outros. A partir de práticas que envolvem o tema da bioeconomia, um amplo conjunto de novos negócios se abrem para o Mato Grosso do Sul, de maneira complementar e adicional ao modelo convencional já praticado extensivamente em amplas áreas de seu território. São soluções pautadas na natureza
A valoração econômica de um recurso natural se baseia em determinar o quanto o bem-estar das pessoas necessita do amparo dos serviços ecossistêmicos. Incorporar práticas econômicas que permitam a transformação das propriedades como mantenedoras dos recursos naturais em benefício da sociedade devem ser amplamente estimulados. Não se trata de uma premissa exclusiva do homem do Pantanal, mas uma prática que avança globalmente e que demanda ações de vanguarda e que estejam com uma adequada percepção de oportunidade.
A Assembleia Legislativa de MS, a partir de projeto de lei do Deputado Paulo Correia, aprovou a Lei de Pagamento por Serviços Ambientais. Assim como esse exemplo, surge a necessidade da criação de novos mecanismos legais de incentivo financeiro que beneficie as propriedades que apresentem em suas áreas espaços em bom estado de conservação.
O valor das paisagens e belezas cênicas preservadas apresentam hoje uma grande variedade de alternativas para a geração de benefícios financeiros, como critérios diferenciados na cobrança do ITR (Imposto Territorial Rural), o ICMS Ecológico, que hoje só beneficia as prefeituras. Na comercialização da carne orgânica e sustentável, a exemplo dos esforços da ABPO, o uso do Fundersul e das linhas de créditos dos bancos, que podem contribuir com tarifas diferenciadas, com uma postura de responsabilidade socioambiental. Diga-se de passagem, os bancos foram perversos no desastre do Rio Taquari.
Na última semana, ainda houve o tema da Lei Federal 14.653 – Pagamento de Serviços Ambientais. Ela foi alterada e passou a permitir uso de recursos públicos para pagar serviços ambientais, incluindo a Reserva Legal e a Área de Preservação Permanente. Com isso, os proprietários podem receber pela preservação.
Não faz sentido ignorar esses acenos concretos de mudança de rumos, pois representam novas fontes de receita para o fazendeiros que protegem de forma perene o capital natural.
Os governos e a sociedade devem ajudar e não somente cobrar dos proprietários. A pujança do agronegócio no MS gera imensas riquezas, tem a possibilidade de se fortalecer e garantir uma imagem positiva no mercado nacional e internacional ao se engajar nessas novas possibilidades.
É preciso realizar uma aproximação que permita reconhecer o Pantanal dentro de um modelo alternativo e complementar de desenvolvimento.
O Governo do Estado de MS, que anuncia vultuosos investimentos com o “Novo Agro”, pode e deve estabelecer uma agenda inovadora e de impacto midiático global, a ser acompanhado pelo conjunto de empresas públicas e privadas presentes no território. Ainda é preciso buscar ajustes de gestão que incorporem o custo da natureza em seus negócios (em especial indústrias), proporcionando a oportunidade de mensuração dos impactos ambientais não mitigáveis destas atividades econômicas sendo contrabalanceados com ações voluntárias de conservação no Pantanal.
Assim como estados amazônicos que vêm alimentando uma proposta de compromisso de conservação a partir de acordos com outros países, MT e MS poderiam criar uma agenda semelhante para o Pantanal, a ser negociada na COP em 2025, em Belém do Pará, com uma agenda positiva de conservação para amparar alinhamentos internacionais de investimentos no carbono, na biodiversidade e no turismo de natureza.
Coronel Ângelo Rabelo – ex-comandante da PMA de Mato Grosso do Sul e presidente do Instituto Homem Pantaneiro. Artigo publicado no jornal Correio do Estado e no site Campo Grande News.